“[...] ela olhava para a boneca, fascinada. O homem percebeu. Foi até a porta
e abriu-a e saiu. Daqui a pouco voltou trazendo a linda boneca que já
descrevemos.
- Tome, é sua.
Cosette se escondeu debaixo da mesa. Seu rosto estava inundado de lágrimas.
Aos poucos, tomou coragem. Pegou a boneca.”
e abriu-a e saiu. Daqui a pouco voltou trazendo a linda boneca que já
descrevemos.
- Tome, é sua.
Cosette se escondeu debaixo da mesa. Seu rosto estava inundado de lágrimas.
Aos poucos, tomou coragem. Pegou a boneca.”
Os Miseráveis – Parte 4 a vida de Cosette
Escolhi esse trecho do meu livro favorito, pois foi através dele que eu me
percebi como criança com uma infância negligenciada. A minha primeira
leitura mais profunda, me revelou muito mais a respeito da infância do que
qualquer outro clássico infantil (não os desmereço).
A negligência aqui relatada no processo de construção da minha identidade
afetou-me profundamente e é nesse contexto que busco entender como ocorre a
compreensão sobre o espaço e tempo chamado infância. Qual papel a criança ocupa no
mundo e por quais motivos de forma direta ou indireta ocorre tamanha negligência.
Segundo Bhabha (2007), “as identidades, como a própria cultura, são formadas de
maneira performática nessas encruzilhadas, fissuras e negociações”. Ou seja, rejeitar as
narrativas infantis, evitar a negociação, “tapar” os ouvidos para as vozes das crianças
implica em uma cultura na qual a identidade infantil não estará presente, ou será
desvalorizada.
No percurso da minha infância o aspecto da fala foi descartado, desconsiderando toda a
autonomia que eu pudesse ter. O silêncio ocupava a minha tentativa de expressar como
eu me sentia em cada mudança de cidade, de escola, de casa.
Segundo Montessori (1936, p. 21), "a criança não pode expandir-se como
deve ocorrer com um ser em via de desenvolvimento. E isto ocorre porque o adulto a
reprime". A repressão da fala, da atitude causa danos muitas vezes irreparáveis em
crianças, mas que são despercebidos nas atitudes dos adultos, enquanto o papel da
infância não for considerado tão importante quanto a fase adulta (não que eu deseje
medir quais são mais importantes).
Seguindo o fato de a leitura entrar na minha vida de forma rápida e
muito intensa, lia muitos contos infantis, dos quais me recordo muito de “A Bela
Adormecida no Bosque” e a "Cinderela", ficava horas lendo e relendo.
Aos 9 anos li uma obra de Vitor Hugo intitulada “Os Miseráveis”
(da qual relato no inicio do texto), li também
Dom Casmurro que se tornou um dos livros que eu mais gostava de ler. As
leituras me transportavam a outros mundos, como Alice no país das maravilhas. A
infância é a possibilidade de o mundo ser outra coisa, “que impede a repetição do
mesmo mundo, pelo menos a sua possibilidade, um novo mundo em estado de latência”
(KOHAN,2008, p. 47).
O fato de eu ter tido uma infância silenciada e negligenciada diante da minha autonomia,
ações, prazeres e alegrias, não me faz deixar de trazer a memória a parceria que me
gerava alegria, o companheirismo que me resgatava a vida quando corríamos juntos,
brincávamos e tentávamos entender nosso contexto infantil.
Ao meu irmão, Joicinho (in memorian), agradeço
por tanto amor, cuidado, cumplicidade, proteção e amizade que me cercou, que me fez
olhar o mundo com o olhar mais sensível. Nossa caminhada foi árdua e só nós sabemos. Vivemos 16 anos bem unidos, e há quatro anos eu não o tenho mais.
É bom saber que o tive, é bom lembrar que o tenho.
Considero por fim, mas não terminado,
importantíssimo rever o papel da infância, ainda que a infância seja um modo particular
e não universal de pensar a criança. Como são afetadas enquanto indivíduos que
compõem o espaço, a sociedade, considerando-as como a sociologia da infância enfatiza
“uma população singular, que se constitui como ator social, atuante na dinâmica social,
perfeitamente possível de ser analisada dentro da sociologia, capaz de formular rituais e
culturas próprias (culturas infantis) por meio de processos de socialização que não são,
de modo algum, verticais".
É importante repensar a história, a
sociedade e como agir diante do que é exposto, trazer a criança para o lugar em que ela
deve ocupar na fase da vida, respeitando seus processos, seu desenvolvimento e para
além disso, fornecendo-lhe subsídio para uma construção saudável da sua identidade é
imprescindível. O adulto não é o ditador da cultura infantil, as crianças sabem, elas entendem,
elas constroem seus caminhos, e não cabe a ele ser quem “afuzila”, reprime e limita
esse caminho.
Lindaaaaa Betinhaa! ❤️
ResponderExcluirSeu blog ficou leve, coeso e articulou sua história de infância com os teóricos que Marilete trabalhou na disciplina . Parabéns lindona.
ResponderExcluirLindo beta! impressionante sua narrativa; agora sei qual o contexto de onde saiu essa mulher forte, guerreia, alegre, amiga. Fiquei fascinado com sua citação da obra "Os Miseráveis"; a cada dia aprendo mais contigo! Negligenciar as potencialidades de uma criança é devastador, desumano até; ainda bem que isso não lhe tirou seu mais claro dom, a imaginação!
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